Que
raio de doença terei eu, no intrincado labirinto da memória em declínio, que se
fecho os olhos e relembro os nossos políticos, só atino (com) e reconheço
rostos patibulares? Será a degenerescência cerebral senil, em correria de
cascata, ou um fragmento e testemunho, daquilo que dantes se chamava a
sabedoria dos velhos, e os tornava merecedores do respeito por eles mesmos, os
velhos, e pela sua opinião?...
Os agiotas que vivem de e para acumular os
seus montezinhos de ouro e acrescentar zeros à direita do seu capital, imunes
ao húmus de desolação, miséria, infelicidade e morte, que faz medrar e doura o
seu dinheiro, apossaram-se do mundo ocidental”; de uma forma nunca antes
conseguida pela guerra e mandatando, manipulando, comprando, corrompendo e
coagindo no seu interesse, os poderes político e mediático, e o dos cidadãos
com voz, (salvo honrosas excepções, que as haverá sempre) prepararam para nós
cidadãos pobres do sul e sudoeste da Europa, um horrível “ghetto” em que
ocupados como castas mínimas ou miseráveis épsilones não nos é dado nenhum
“soma” ou elixir euforizante nem ministrada nenhuma programação que nos faça
sentir bem e adaptados à nossa existência de autómatos de pequenas tarefas.
Nesse mundo que já se esboça e delineia no presente, a vida humana mesmo e
sobretudo na civilizada Europa, será o bem mais banal e barato, a não ser que
se lhe associe qualquer particularidade que a torne importante ou imprescindível:
é o homem descartável no seu auge…
E apesar da aparente aleatoriedade das
sequências é provável que tudo tenha sido cuidadosa e perversamente urdido e
aplicado, e haja um nexo de causalidade planeada, consequente e conducente ao
brejo pantanoso e movediço, de onde urge sair, para sobreviver.
Tal como no velho poema de Pablo Neruda, vamos
fechando os olhos ao que acontece aos outros até que o mal se abate sobre nós,
e, nos esmaga, e estamos sós.
Os mortos de “Lampeduza” encarados como
longínquos e não nos afectando, deviam provocar-nos a indignação, a revolta e
também o medo. No fundo provam que o homem por força da sua natureza sempre
privilegiou, privilegia e privilegiará a sua inclusão em castas ou carteis e
cada grupinho trata de si mesmo, e atropela e trucida os de fora, com uma
impiedade sem paralelo nos reinos dos outros bichos, e, que só por mutação
genética ou coagido, o ser humano porá o interesse do todo, acima do seu…É por
isso que a utopia da Europa unida, de povos irmãos, com os mesmos direitos e
deveres, já está delineada com traços indeléveis: lá para norte as castas de
arianos, homens e mulheres de tez clara, olhos azuis, altos, superiores…cá em
baixo os greco-romanos (e os ibéricos) com o sangue tinto de negro e árabe, que
berço de uma civilização impar que foram, e que ainda impregna o mundo, serão
tratados, não como guano, mas como excremento de cão.
E só quem não quer, não vê, a producência dos
factos:
Bombardearam-se os países pobres da adesão
com dinheiro, não a fundo perdido, que os parvos não são eles, mas em troca do
abandono das suas (nossas) fontes próprias de pão, da perda da sua (nossa)
verdadeira soberania. As torneiras jorraram nos locais e para os do costume,
primeiro escudos e depois euros e inoculou-se nos cidadãos o vírus da ambição
epidémica e inculcou-se-lhes, o complexo mil vezes amplificado, de que ser-se pobre,
era ser-se um” pobre diabo”, um”coitado”.
Espalhou-se a eito e ao desbarato a ilusão de
que todos podiam ter casa própria, um filho licenciado, férias, uma “vida
humana” enfim, e para dar substância ao sonho que devia ser um direito, a Banca,
com a conivência e subserviência do Estado, (que até concedeu, do dinheiro de
todos, benefícios fiscais, aos que se endividassem) ofereceu crédito a torto e
a direito para estes endividamentos meritórios, e, aproveitou a euforia reinante,
para vender a crédito e aos seus balcões, pechisbeques a preços de alta joalharia,
acrescidos duns jurozitos…E perante este apelo cúmplice e consequente as
famílias fizeram das tripas coração, para comprar casa (única alternativa à
barraca) para dar um futuro aos filhos, para provar aos seus, a sua capacidade,
que não eram, uns coitados. Os agiotas rejubilaram, porque como é seu hábito
milenar, a sua segunda natureza, haviam usado de todas as cautelas, fianças e
penhores nas linhas e entrelinhas dos seus contratos leoninos.
Foi um festim hórrido e grotesco de hienas,
onde se banquetearam todos os que tinham acesso ao dinheiro, ou a permissão de
se endividarem, em nome do contribuinte:- rotundas de dez em dez metros; auto-estradas
paralelas, concessionadas eternamente aos privados com a cominação inaudita, de
que se lhes diminuísse o tráfego o contribuinte pagava uma compensação; uma
dúzia de grandiosos campos de futebol para pouco mais do que um jogo, cada;
aeroportos onde não aterram aviões; uma expo onde tudo foi feito à grande, até,
presumo, as falcatruas; parcerias público-privadas, feitas de má-fé e
prejudicando sempre o Estado, o que prova das duas, uma: ou os nossos
mandatários eram oligofrénicos ou houve compensações sub-reptícias…inclino-me para
a simultaneidade…
Se um credor, agindo de boa-fé e com lisura,
perante um reembolso periclitante, vê que ajudando o devedor, aumenta
substancialmente as suas probabilidades de ser ressarcido, obviamente
ajuda-o…Porém está na essência, desse negócio milenar, que é a usura, que
depois de ferrado o penhor, o melhor mesmo, é não o largar, e tal como o papa
defuntos se alegra com a morte e com o aumento do número dos funerais implícito,
o agiota torce, para que o devedor não consiga resgatar o penhor. É inquestionável,
faz parte da natureza do negócio.
Admitindo também como certa, uma segunda
premissa: estranha e indubitavelmente os representantes dos credores (troica) e
os presumíveis representantes dos interesses dos portugueses (políticos do arco
da governação) rejubilam com os mesmos factos, regem-se pela mesma partitura,
fazem o mesmo jogo, conclui-se que: ou os nossos credores são de um enorme
altruísmo (não se entendendo então, o porquê da exorbitância dos juros, do
arrasamento dos tecidos empresarial e social, do caos de miséria e desolação
que grassam) ou os nossos procuradores traíram os portugueses, e então tudo se
torna lógico, coerente, óbvio, até o sorriso de vanglória, escarninho e odioso
com que vêm anunciar aos velhos, aos doentes, aos cidadãos pobres, aos
empenhados aos despojados, aos desvalidos, que de sobressalto em sobressalto
vão ser postos fora da vida, que neste Portugal a abarrotar de democracia, só
há lugar para os mais aptos, ou para os espertalhotes.
Esta gente que vá proclamar ”o milagre económico” aos infelizes que tendo neoplasias,
se vêm galopar avassaladoramente
para a morte, por lhes negarem as terapêuticas oncológicas; aos moribundos
aguardando o socorro, que não virá; aos doentes crónicos que se vêem definhar,
por não terem posses para as deslocações, para as taxas moderadoras, para as terapêuticas,
para as dietas; aos que aguardam meses e meses, ou anos, por um exame, enquanto
a morte se aproxima, e os toca.
Foi em vão que calcorreei as farmácias e me
dirigi ao centro de saúde. Não consegui a vacina da gripe, apesar da propaganda
mediática, de que a havia com fartura, para dar e para vender; terá feito parte
de um plano?
Quem não pretenda emigrar nem para o
estrangeiro, nem para o outro mundo, deve aprender línguas germânicas:
ser-lhes-ão de grande utilidade para lidar, servir e adular os novos senhores,
nas suas coutadas de caça, ou os seus velhos nos retiros paradisíacos e
soalheiros, onde venham passar os meses invernais da sua terceira idade, longa
e farta. De pobres, passámos a parentes pobres; que queda’.
João Miguel Nunes “Rocha"
(artigo publicado na revista ORDEM DOS MÉDICOS n.º162 • Setembro 2015)
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